segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

[Cronicas da taverna] : O primeiro porto

31/12 - 20:00

A pedido da Rainha sou buscado em casa e levado de carruagem as pressas para o palácio. Sabia que havia uma explicação da parte dela depois de tanto tempo.

A carruagem parou e eu saltei. Na porta já estava um criado-mor (daqueles que ficam por perto. possivelmente um "capado" rs...). Ele me disse que a Rainha havia me chamado, mas, por motivos pessoais pediu que adiasse qualquer pronunciamento. De certo isso apenas aguçou ainda mais minhas dúvidas e as interrogações passavam completamente em minha cabeça.
Como todo meu carregamento já estava pronto e aos pés do palácio, os lacaios o levaram para dentro do navio. O horário se aproximava e eu ainda na porta do palácio. Aflito que só, pois era o capitão do barco em que minha Raposa (agora mais viva do que nunca) estaria nele. E eu aqui em terra firme, já devia estar lá esperando ela.



Depois de um tempo, precisamente as 23:30 sai uma carruagem de trás do grande palácio aos galopes. Pára em minha frente um cocheiro completamente desajeitado desce e abre a porta para mim. Pelas gotas de suor no rosto dele pude perceber que a carruagem nada mais era do que um gigante porta-jóias e não havia nada mais precioso no mundo do que o que havia lá dentro...
Lá estava, a raposa, lindamente vestida de negro para dois grandes eventos: a virada do ano, e a partida do navio.
Entrei na carruagem e sentei-me de frente a ela. Seus olhos estavam turvos e eu não os conseguia definir. Tentei me iludir sobre a desculpa que os muitos anos que não a via, por isso a perda do "tato", mas acima disso eu sabia que havia um problema.

Chegamos no porto e o semblante dela mudou. Um largo sorriso tomou conta de sua face e com um firme passo de longas botas desceu da carruagem em direção ao público que a aguardava. Até aí tudo bem. Uma rainha e seus súditos, quando de repente, ela estendeu a mão para dentro da carruagem (gesticulando para que eu saísse)... Estranho... Os papéis estavam invertidos... Rs... Parecia eu uma dama ao sair da carruagem “aparada” por ela. Mas sem segurar-lhe a mão, sai da cabine com o semblante fechado. Não era raiva, nem rabugice, apenas não estava acostumado com tal pompa.
No pequeno cais, todos jogavam confetes e flores para onde passávamos e aguardavam ansiosamente a virada do ano. A raposa pediu que eu me dirigisse até a proa do barco onde havia uma garrafa de vinho amarrada a uma corda e a corda num dos mastros.
O gigante relógio da praça matriz marcava 23:57, todos estavam apostos nos barcos e alguns já haviam partido por ordem dela.
Quando o relógio marcou 0:00 ouviu-se o primeiro badalar do sino, então a raposa gritou: "Capitão! batize o barco agora!" não me veio outra frase na cabeça a não ser um trecho de uma bela canção que meu pai cantava para minha madre. Peguei a garrafa amarrada na corda e choquei-a de encontro ao mastro! A garrafa se espatifou e o vinho desceu manchando com um belo rubro o convés. Ao que abri os braços e gritei: Serás chamada "amourroi" (pronuncia-se amurruá), e então todo o povo aplaudia e gritava em meio aos fogos chineses e votos de ano-novo.

No barco também tudo era festa! Um primeiro "empurrão" e o barco começou a esticar seus primeiros nós de distância. Estávamos muito perto, e no primeiro chacoalhão ela tropeçou numa das cordas e veio para cima de mim. Obviamente a segurei. Sinceramente melhor fosse deixá-la cair no chão. Pois com tamanha rispidez que fui "agradecido" pensei mesmo no fato. Mas, não podia, nem se eu quisesse... Afinal, era ela. Segundos depois ela se recolheu para o quarto "que devia ser do capitão" e me disse: "quanto aos seus aposentos, deve haver algum lugar para você. o barco é grande! Não é? (ironicamente)" até aí tudo certo. Só não esperava que fosse exatamente ao convés.
Tomei outra direção de comportamento e deixei a moleza de lado!
"AO TRABALHO HOMENS! QUERO VER ESSE BARCO COM TODA A VELOCIDADE! você! pega aquela corda, você! abaixe mais a vela, vocês aí, preparem os remos, hey garoto! mais atenção nos nós! timoneiro se você vomitar vai andar na prancha! eu juro! (...)

Navegamos bem segundo as cartas marítimas e as ordens que recebi. tudo estava muito bem, com exceção da raposa, que a carne e os ossos diziam ser ela, mas havia um brilho diferente nos olhos que eu não sabia como comportar, como fazer, como dizer...

Hora olhávamos e eu a via me inspecionando, hora olhávamos e eu a via me observando (como alguém que põe outro a prova dos ditos). Hora olhávamos e ela desviava o olhar. hora olhava-a e ela estava a fazer charme. Mas de alguma forma não havia como chegar. Ou até havia, mas não para o que eu queria, apenas para compartilhar coordenadas de mapas e só ouvia o tradicional: "faça o que achar melhor, capitão". Isso não era justo. À noite, me colocava a escrever no diário sobre os balanços da embarcação (talvez note o horror da letra, mas são apenas os vai-e-vem do alto mar). tudo até bem. estava melhorando com a letra quando no meio da noite ela apareceu por de trás de mim...

Eu parei de escrever e fiquei a observar... ela estava descalça e com um camisão que cobria todo o corpo. todos os marujos já estavam deitados no porão. não havia mais ninguém por lá.
ela caminhou até o mastro onde estourei a garrafa e pegou um caco do casco do vinho. e olhou o rótulo... olhou para mim... olhou para o rótulo... aproximou-se do mastro e cheirou o aroma do vinho ma madeira... caminhou lentamente até mim, e colocou o rótulo (já sem o caco de vidro) no meio das páginas do meu diário.
eu continuava boquiaberto com a situação sem entender nada... fechei lentamente o diário e me virei para ela enquanto adentrava seus aposentos... me levantei para perguntar e antes que eu dissesse algo, ela parou, olhou para trás e disse: será nossa primeira parada.
Seguimos uma semana.
Foi uma ordem tão clara que eu não tinha mais o que dizer. Ficava sem graça ao me referir a ela, com receio de levar um "já não lhe dei a ordem?" muito embora, sabia vez em quando que ela mesma queria dizer algo a mim, mas de alguma forma não se aproximava. Vez em quando eu a via com a ponta dos dedos tampando os lábios (como quem diz: quero dizer algo...). Mas nada falava.
Seguimos mais uma semana.




Os mapas portulanos nos guiavam por um estreito porto ainda na costa do velho mundo onde ela estava destinada a aportar. Avistamos um velho cais aos trapos com luzes fracas e uma pequena vila com uma só rua e beira-mar. aportei o barco a um nó de distância do cais e guiei o pequeno barco até a terra firme. Lá estava-mos: eu , Jimmy (o marujo que as vezes me ajudava no bar) e ela, a Raposa. Era estranho e engraçado. Ela passeava naquela pequeníssima vila como alguém que caminhava no grande mercado marroquino. Olhando todas as placas e formas das casas.
nada lhe chamava mais a atenção do que uma pequena casa cuja calçada já era feita de madeira e já emendava com o cais. A casa já era parte do porto... A casa era o porto.

paramos em frente à porta e ela ficou a esperar. Bem... Eu e Jimmy também... Pensávamos que algo "diferente" iria acontecer. Como nada aconteceu (e nem iria mesmo) ela respirou fundo e abriu a porta com as próprias mãos. Notei que "um ponto de cavalheirismo havia sido descontado em minha conta". Ela adentrou e nós atrás com o lampião até os fundos onde um senhor de idade avançada e de longos bigodes fazia as contas junto a uma longa mesa.

- boa noite senhor - me adiantei...
- já estamos fechados!
- mas, eu não perguntei isso! a rainha deseja adquirir uma significativa porç...
- bla, bla, bla já diss que estamos a estár fechados! não viste?
Empunhei a rapieira ainda na bainha, mas subitamente fui impedido por ela com a mão no fim do cabo.
-com licença senhor Antonio, não se lembras de mim?
-oh! Sim... Senhora! a quanto tempo?! - o senhor deu a volta por de trás da mesa e lhe desferiu um abraço como um parente muito mais velho...
Eu e Jimmy nos olhamos estranhamente (como quem pensa: quem é ele para se atrever abraçar uma rainha?). Maior susto foi quando eu a vi retribuir o abraço. Abraçava-o como um avô ou tio que a muito não via...
- mas então? o que a trás a est utilmd estabelecimento? Vieres tomar nota se tudo está correcto?
mais uma vez me assustei: outra taverna dela? Meu Deus... Nessa hora eu me senti mais um no mundo... Apenas mais um... Reles e fraco taverneiro de uma rainha... Que sentimento triste...
-não! - respondeu ela... - não seja bobo Antonio, sabes que esta taverna é sua! Que é um presente da família! Afinal se não fosse o seu vinho... Minhas tavernas jamais existiriam...

Nessa hora eu pensei: Ai meu Deus... Um grilo vai pisar em mim... (quão pequeno sou). Ela olhou para mim e compreendeu meu sentimento. Não sei se para amenizar ou não, mas ela disse algo que me deixou ainda mais de orelhas em pé: “fique em paz senhor Antonio, estive um bom tempo fora, mas foi por uma boa causa, tudo ruiu tudo levantou. nada é em vão. das tavernas que sobraram, as únicas que posso ver que estão ainda de pé são a do meu condado (que eventualmente é a que eu tomo conta) e essa preciosidade aqui, que eu tenho a honra de beber o bom vinho!
o velhinho soltou um belo sorriso debaixo daquelas bochechas rosadas e daquele bigode, pegou as mãos dela e disse: vamos lá em baixo. preparei uma reserva especialmente para você. ela sorriu, respirou fundo e aspirou com um tom de cansada. Disse que precisava ir para o barco pois não se sentia bem. O velho concordou também como alguém que já conhecia seus atos.
A raposa pediu ao Jimmy que fosse até o barco com ela (pelo baquinho) e voltasse para buscar o capitão e o carregamento.
Sinceramente é muito estranho quando a mantenedora da embarcação evita diálogos com o capitão da mesma... tudo muito, mas muito estranho... mas agora não é hora para isso, pois o português já havia aberto o alçapão e me chamado duas vezes lá para baixo.

Em fim... Desci...




Que imagem! é de encher os olhos... se eu pudesse eu levava tudo! rs...

- é bonito não é? - perguntou o senhor lusitano.
- bonit... (eu de boca aberta...) imaginem o cheiro da uva fermentando naqueles gigantes barris de carvalho... meu Deus .. que viagem... era outro mundo... no velho mundo... Imaginem o novo mundo...
Subitamente algo diferente pairou em meus olhos...
Bom... agora que estávamos só eu e Sr. Antonio, poderia fazer qualquer pergunta que eu quisesse a respeito da Raposa, assim conseguiria mais histórias sobre "as muitas tavernas" dessa mulher. (já estava a tratá-la assim...).
Então senhor Antonio... (enquanto destravava o barril e o rolava em direção dos trilhos da saída...)
-essa generosa senhora possui mais tavernas por aqui?
-olha... eu acho que sim... por que não?
(pensei eu: eu sabia... em cada um ela tem...) - subitamente continua o Sr. Antonio...
por que ela já ajuda tanta gente... Nossa família estava deprimida e falida, a duas praias daqui havia um povoado que dependia apenas de tecelagem... Sem contar num tal chá que ela encomendava para um tal índio.... Mas taverna, taverna... Eu não lembro...
“puff... Eu sabia que aquele velho já estava brincando com coisa séria demais... estava escondendo informações...”



Saquei a espada e apontei na cara dele: escuta aqui seu velho! não me esconda nada, você não conhece quantos essa lamina já atravessou por causa de conversas pela metade...
- o velho começou a chorar e pos-se de joelhos... era uma visão deprimente que a muito eu não via...
- pelo amor de Deus, meu senhor, sou apenas um pobre homem que sustenta a família com essa vinícola para a jovem e generosa senhora que esteve aqui a pouco. não vejo justiça nenhuma em terminar com a vida de quem sustenta outras 6 bocas. Tudo o que faço é ceder vinho do porto para essa jovem para que ele chegue até certa taverna.
Apertei a ponta da espada no pescoço do velho e ele urinou...
DIGA! DE QUEM É ESSA TAVERNA?e o velho só gaguejava...
“lá estava eu, transtornado, ameaçando um velho vinícolo por causa de uma coisa que eu havia criado na minha cabeça por causa disso tudo.”
“o velho balbuciou as seguintes palavras: meu senhor perdoe-me, mas tudo o que sei é que ela sempre veio aqui e que ficou apenas dois meses sem aparecer. ela sempre vinha e levava alguns barris para uma taverna que ela dizia ser dela, mas que era o grande amor da vida dela que tomava conta com muito carinho e tinha que descarregar de noite no cais antes que um tal de D. Rapouso aparecesse. Novamente meu senhor, se o senhor tem algo contra este tal dom Rapouso , peço que busque-o em outro lugar pois aqui não temos nenhuma informação sobre esse senhor. só sabemos que ele é quem tem o coração desta jovem. Perdoe-me a franqueza, mas se desejas dar cabo dele deves procurá-lo em outro lugar.
Como eu poderia ter feito tudo isso? eu aqui desconfiando de um alguém que na verdade era eu mesmo! Como pude fazer tal atrocidade?
Não havia como me desculpar com tal crueldade na qual eu pratiquei. apenas recoloquei a espada na bainha e o ajudei a levantar. o velho não entendeu. eu numa postura seca e fria disse: não é preciso ir muito longe para encontrar o D, Rapouso que quero matar(-me).
Já estava na portaria, Jimmy que sem entender nada, entrou mudo e saiu calado com o barriu nos braços. Na minha cabeça, um milhão de coisas rondavam: como ela sumiu? sumiu por tantos anos pra mim, e para esse velho só 2 meses? MEU DEUS era ela que deixava vinho do porto todos os meses no cais para mim e eu duvidando dela... a vontade era que essa espada estivesse em meu pescoço agora... eu só daria um passo...
Voltei para o barco com os 4 barris e os marinheiro ajudaram a subi-los...
um foi para a tripulação e se misturou com os outros que estavam no porão, 3 foram para "a cabine".
Era sábado e todas as minhas coisas estavam no convés ainda... quase um mês no mar. Ela saiu e disse: "pegue sua melhor roupa, e a taça de cobre." (opa! como ela sabia da minha taça de cobre?)
Pois bem... Fui até lá e peguei. Ela me chamou para entrar nos seus aposentos.
e lá estava eu. Sentado numa cama e ela numa cadeira de frente para mim. Os marinheiros estavam nas janelas doidos para ouvir a conversa e todos com os copos de vinho na mão.
A raposa estava com uma taça e me olhava o tempo todo, eu, apenas bebia.
bebi apenas aquela taça durante um bom tempo e então me levantei e perguntei: por quê? Quando? Quanto tempo? Desde quando? O que existe? Você aind....



ela se levantou deixando a taça caindo no chão e me segurou pelos cabelos e me beijou...
fui beijado e beijei. Oh deus! A quanto não sentia aqueles lábios? A quanto não sentia os meus lábios. Beijei também. Mas antes que houvesse uma entrega conjunta. Ela me empurrou me fazendo deitar na cama e se afastou, pegou o copo, serviu de mais vinho do porto e disse:
O vinho do porto sempre lhe terá um preço muito caro, meu Rapouso. Duvidaste de mim. Eu sempre estive perto e você em mim. Agora comigo por perto, colocaste as piores coisas que destroem um ser: A dúvida a frente do amor. Por isso, aprenderá muito: por mim devias ter ficado na taverna para sempre sem me ver. Assim me amaria sem estiar. Aprenderá a linguagem da taverna: o vinho do porto é caro, é único e doce como o amor. Mas não deve se levar ao extremo, pois lhe tira a cabeça e depois o coração. Que o senhor Antonio tenha piedade de ti no dia do seu julgamento.



Ouvi tosses do lado de fora da cabine.
Muito triste fiquei, olhei abaixo, não conseguia levantar os olhos. Eu o capitão...
pedi desculpas. Ela sabia que isso não era eu. Por isso me atrevi a fazer mais uma ultima pergunta:
-sabendo que fiz tal atrocidade por que me beijou?
-porque te amo e não te esqueci nunca....
-então... (com um facho de esperança na alma)... quis perguntar “por quê?” mas...
- ela apenas me olhou junto ao vinho e disse: deve haver ritos....




Esta nota é uma forma de creditar os diretos autorais.
As imagens contidas nesta postagem referem se a obra denominada "le scorpion" pertencentes aos autores Enrico Marini (arte) e Stephen Desberg (roteiro). não possuem o fim lucrativo, degradação da imagem do personagem e nem o intuito de roubo de direitos autorais.