quarta-feira, 18 de maio de 2011

[Cronicas da Taverna] : Letras que fazem história





Não era de hoje que eu estava indignado com rodeio de ratos entre as estantes da biblioteca da Taverna desde que baixei o piso para o porão. Mas como sempre tive tantos afazeres para resolver (principalmente nos fins de semana), nunca me sobrava tempo para concluir minha caça aos ratos que não só se alimentavam das páginas dos célebres escritores de minha época como se empanturravam de farpas de madeiras dos barris que consegui trazer do porto com tanta dificuldade.

Em fim, certa quarta-feira em que tudo estava calmo, resolvi passar um pano velho, porém limpo entre as prateleiras dos livros da Taverna. Sem muito zelo peguei o balde pequeno de carvalho e enchi daquela água escura que corre da bica ao lado da taverna. Instantes depois me assentei no não e comecei a passar o pano úmido nas lombadas quadradas dos livros que estavam a pouco centímetros do chão. o cheiro do mofo e a espessura dos livros mostravam que a umidade ali no chão não era pouca.

Em seguida avancei para a segunda prateleira no canto direito havia uma lacuna de livros que dava visão para o outro lado da prateleira por causa de minha organização. Mas foi começar a limpeza daquela prateleira, que subitamente eu ouvi passos do outro lado da estante. exclamei um "já vai" de forma calma, e me levantei dobrando o pano assimetricamente numa das mãos.

fui até o outro lado da prateleira e nada encontrei. intrigado, pensava comigo mesmo: poxa! eu ouvi passos! Tenho certeza! Mas, sem pestanejar muito voltei a me abaixar e continuar as limpezas.

Nas quartas e quintas fileiras havia lacunas de mais ou menos 3 palmos de distancia, isso resolveria o problema claramente dos livros que estava estragando lá em baixo.
Enquanto tirava a medida do espaço em que com certeza o livro ficaria bem, tive seguinte nítida visão:




Ah! é claro que eu conhecia aquele fraque azul Royal, aqueles dedos finos e o decot... em fim, passei o pano (agora bem sujo) na cara, para ver se a (suja) água fria trar-me-ia a tona novamente. Mas somente me irritaram os olhos. Após alguns esfregues, agora com a vista recobrada, pude me inclinar e olhar novamente para "o que" estava lá do outro lado.
Obviamente "nada" estava lá do outro lado. e mais uma vez eu passei a mão suja na testa dizendo comigo mesmo: ah rapouso... Acorde homem! coloquei a ponta do dedão e do dedo médio na ponta dos olhos e fechei-os bem forte.

Segundo depois lá estava eu de pé limpando a sexta e sétima fileira logo na altura dos meus olhos. não obstante, encontrei algumas anotações amarradas que ha muito só via de longe e agora que tenho tempo, resolvi manuseá-la.


Desenrolei a linha e pude perceber que não se tratava de um livro, mas de algo guardando um pergaminho que enrolado e amassado se encontrava dentro das anotações.

desenrolei com muito cuidado e pude ver que se tratava das primeiras lições que a raposa havia aprendido sobre escrever. e haviam correções feitas de uma outra pena, e assinadas com um sinete real. "obviamente faz parte de seu ensino".

Logo adiante haviam quatro colunas como um texto contínuo escrito por mãos de criança mesmo, com todas as rasuras, borrões e erros.

"quando madura estar, desejo um amor para recordar.
Não que tenha que ser eterno, mas que seja eterno enquanto dure.
Talvez um dia, isso só perdure em meus sonhos, e se isso acontecer
Significa que não deve existir, porque o sonho que não se torna realidade,
Por alguma obra não devia prosseguir.

Mas quando madura eu estiver, e novamente com estes letras me encontrar,
Saberei o que é amor ou já estarei aprendendo a amar.
Por isso, como os adultos que vão para o mar dizem:
(... e o resto não pode ser traduzido ou transcrevido).

Compreendi naquele momento que de sofrimento apenas estou eu, pois
a raposa já ansiava desde primórdios o que vivemos,
a raposa já esperava desde primórdios como morremos,
e a raposa já contentava desde primórdios que os amores vêem e vão,
Mas o que fica é a história.


Mais uma vez, eximiamente emocionado, retornei as anotações para a estante,
Peguei os livros que estavam em baixo e os trouxe para cima na esperança de poder novamente
Ver aquele corpo alvo que tocava as páginas de minha prateleira.
e em fim, a vi.
Pelas costas, vi os longos cabelos ruivos com as pontas brancas caminhando em direção da escada e subindo degrau por degrau. Pude contemplá-la como se contempla uma santa e antes que eu a visse partir, um aperto no peito me tomou conta, e não pude manter a visão erguida.

Rangi os dentes e pendi a cabeça enquanto as lágrimas desciam no meu rosto.

Quando de repente ouvi o batido da porta!
Sim! Esta era a conclusão de que não só um fantasma havia me visitado, mas de que minha raposa ainda estava aqui.

Apertei o peito com o pano e ergui a vista ainda com o rosto suado pela dor para a porta escada acima. e lá estava uma jovem. Completamente diferente do que tudo que eu havia visto.
Não era ruiva, não era rica, mas usava um azul Royal que me manteve a atenção presa por longos tempos.

Em um lapso mental pude compreender que vendo minha raposa subir as escadas, deixei-a ir. Experimentei a sensação correta de que nunca a tive, e que uma hora era necessário deixá-la seguir seus passos.
Experimentei também a dor no peito, que agora sei que representa a perda mas que é necessária sua existência, senão não haveria tamanho alívio depois.
E por fim, pude compreender que a nova visão que tina naquela porta era sim! Em vias de fato uma nova chance de sonhar.




Esta nota é uma forma de creditar os diretos autorais.
As imagens contidas nesta postagem referem se a obra denominada "le scorpion" pertencentes aos autores Enrico Marini (arte) e Stephen Desberg (roteiro). não possuem o fim lucrativo, degradação da imagem do personagem e nem o intuito de roubo de direitos autorais.